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TECNOLOGIA ASSISTIVA E O BRINCAR
Atualizado: 10 de nov. de 2020

O brincar é uma atividade importante para as crianças que permite o desenvolvimento, aquisição de habilidades além de promover a satisfação e criatividade.
Algumas crianças apresentam deficiências motoras e ou cognitivas que interferem diretamente em suas capacidades de participarem nas atividades de brincar. Um método de intervenção utilizado por Terapeutas Ocupacionais é a Tecnologia Assistiva, que pode proporcionar que crianças com deficiência exerçam seus papeis de brincantes.
Assista o nosso vídeo sobre o assunto:
O uso da Tecnologia Assistiva no brincar pode envolver desde adaptações muito simples até adaptações sofisticadas como o uso de equipamentos eletrônicos.
Adaptações simples nos brinquedos sempre foram utilizadas pelo terapeuta ocupacional (TO) nos processos de habilitação e reabilitação de crianças com deficiência - inclusive no brincar. São soluções simples, normalmente de baixo custo, criadas pelos próprios profissionais, pelos familiares, e muitas vezes pelas próprias crianças com limitações funcionais.
O uso de velcros nas roupas de bonecas e em outros brinquedos, antiderrapantes colocados em mesas quando acopladas nas cadeiras de rodas, e mesmo nos brinquedos com o objetivo de impedir que deslizem ou caiam das superfícies onde estão manuseados, podem ser considerados soluções de baixa tecnologia.
De acordo com a capacidade de preensão apresentada pelas crianças com sequelas motoras pode-se criar alças ou “pegaduras” especiais, de modo a permitir participar dos jogos ou manusear o brinquedo em questão. Pode-se ainda, por exemplo, aplicar-se pinos sobre as peças de um quebra-cabeças de madeira e, desta forma, facilitar a manipulação e possibilitar que a criança obtenha satisfação na operação que desenvolve, ao invés de irritação, insatisfação ou mal estar.
Como parte deste arsenal de baixa tecnologia, faz-se uso de ventosas que, quando colocadas adequadamente em certos brinquedos, tenderão a facilitar o manuseio do mesmo, proporcionando maior nível de satisfação do usuário em questão, a criança com PC.
A ampliação de brinquedos e jogos facilita a interação e a capacidade para jogar. Por exemplo, um jogo de damas, em que o tabuleiro e as peças são confeccionadas em um tamanho maior, tenderão a facilitar a preensão, melhorar a possibilidade de coordenação dos movimentos da criança, e como consequência, facilitar a movimentação e localização das peças no tabuleiro.
Mantas magnetizadas têm sido cada vez mais utilizadas na confecção de brinquedos, tanto artesanalmente, quanto comercialmente, visando facilitar o manuseio dos mesmos pelas crianças com sequelas motoras. Encontramos brinquedos, jogos educativos e terapêuticos confeccionados com um material produzido a partir de madeira tratada (MDF), incorporando mantas magnetizada na parte inferior dos mesmos, para que sejam adequadamente manuseados em tabuleiros. São jogos do tipo quebra-cabeças, dominós, pareamento, sequência lógica, entre tantos outros.
Pode-se adaptar um plano vertical e mesmo um plano inclinado (ou adquiri-lo no mercado) com placa metálica para servir de suporte para estes jogos magnetizados, compondo, assim duas adaptações na produção de uma nova solução bastante interessante.
Os planos inclinados com grampos de fixação possibilitam que a criança, possa visualizar e alcançar o brinquedo e, assim, utilizá-lo de uma forma mais adequada. O brinquedo pode ser fixado pelo grampo e a mesma não necessitará segurá-lo, tendo assim a oportunidade de explorar as possibilidades oferecidas, sem precisar despender energia e atenção em sustentá-lo e mantê-lo firme. Pode ser uma solução bastante eficaz na hora de desenhar, colorir ou escrever, como comprova a prática de utilização do mesmo em atividades recreativas e educacionais em casa, nas terapias e na escola.
Livros de histórias podem ser adaptados de diversas formas permitindo que crianças possam manusear os mesmos com simples dispositivos. Espumas, tiras de EVA, clips grandes quando colocados nas laterais das páginas dos livros podem permitir que as crianças com PC possam manusear os livros de história.
Brinquedos à pilha podem ser adaptados para um fácil manuseio através de sistemas liga-desliga comandado por “acionadores”, que permitirão à criança colocar em funcionamento uma boneca que ande, um trenzinho, um toca-fitas infantil, etc. Um sistema de interruptores pode ser incorporado aos próprios brinquedos através de uma intervenção eletrônica simples, assim como se pode lançar mão de dispositivos simples de interrupção de corrente, conhecidos como “fios de cobre” ou “cabos moeda”, que têm a vantagem de serem utilizados em mais de um brinquedo. Esses dispositivos serão, por sua vez, ligados ao acionador, cuja operação ocorrerá por simples “clique” utilizando-se de qualquer parte funcional do seu corpo.
Acionadores são botões eletrônicos (semelhante, sob o ponto de vista de funcionamento, a um botão de “mouse” de computador) que permitem a criança, através de um só movimento, fazer funcionar tanto brinquedos movidos à pilha, como operar um programa de varredura na tela do computador. Existem diversos tipos de acionadores, que podem ser classificados de acordo com sua forma de funcionamento: pressão, cordinha, sopro e sucção, infravermelho. Esses dispositivos já são amplamente comercializados no Brasil, sendo alguns de produção nacional.
Pode-se produzir acionadores simples, confeccionados em papelão ou adaptados a partir diversos dispositivos encontrados no mercado como interruptores, caixas plásticas de fitas de vídeo, luminárias de armários, entre tantos outros.
A utilização apropriada dos brinquedos à pilha equipados com acionadores é uma boa alternativa, por serem relativamente simples e por permitirem à criança com limitações funcionais nos membros superiores o acesso a brinquedos compatíveis com seu nível de desenvolvimento. São mais indicados para as crianças que estão no período sensório motor, pois evidenciam dois conceitos importantes característicos dessa etapa do desenvolvimento: a relação de causa e efeito e a repetição de atos comandados que envolvem objetos.
A utilização inicial de brinquedos acoplados a acionadores, permite à criança perceber que, com um movimento casual ou mais tarde, intencional, ela seja capaz de produzir um resultado. E que, com o amadurecimento, essa criança possa desenvolver um entendimento inicial da relação de causa e efeito. Aos poucos poderá ir aumentando a complexidade do brinquedo selecionado e da forma de acionamento, além de se promover a troca frequente de brinquedos, sempre em conformidade com um criterioso olhar do T.O. na seleção do mesmo.
Definido em 1993, por Ron Mace o design universal é um movimento mundial, “baseado no conceito de que todos os produtos, ambientes e meios de comunicação, etc., sejam concebidos pensando-se em atender às necessidades da grande maioria dos usuários (NCSU, 1998)”.
Essa proposta atende às demandas de acessibilidade e deveria ser considerada no projeto de espaços de utilização pública, como é o caso dos parques infantis.
A realidade encontrada no Brasil é discordante dessa postura, pois o que se observa é a predominância de brinquedos comuns, tradicionais que, apesar de serem visualmente atrativos, não acessíveis a todos, principalmente as crianças com paralisia cerebral, conforme constata Philot (2004) ao tratar das questões relativas a parques temáticos.
Apesar da acessibilidade ser hoje assegurada por lei, constata-se que muito pouco foi feito neste sentido no Brasil. Dentre as leis que regem esse assunto destaca-se a lei nº. 10.098/2000, 10.048/2000 e decreto 5296/2004 estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Também a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) se manifesta através da definição de várias normas relacionadas com a acessibilidade, em especial a NBR9050/2015 e NBR 16071/2012, apenas apontam recomendações abrangentes a serem aplicadas nos ambientes de lazer, limitando-se a informar sobre a necessidade de criar-se espaços acessíveis, sem indicar o como e a forma.
A família precisa ser orientada quanto aos brinquedos mais adequados, assim como quanto às adaptações que possam ser implementadas. Também quanto à forma de brincar com seu filho, sem inibir a naturalidade fundamental na interação através da brincadeira entre pais e filhos.
No processo de construção de adaptações para a recreação na família faz-se necessário que se encontre os familiares disponíveis para se desenvolver essas adaptações num processo de colaboração mútua e, na maioria das vezes muito gratificante. As adaptações em brinquedos devem ter como objetivo principal facilitar a interação da criança na atividade brincar. Não se pode deixar de enfatizar a importância da escolha dos brinquedos ser centrada numa real adequação à realidade, interesses e necessidades da criança.
Outro aspecto a se considerar são o custo dos mesmos e as verbas disponíveis da família, observando-se também a disponibilidade e a facilidade na manutenção, bem como a duração dos mesmos.
A partir de alguns levantamentos realizados nessa área podemos constatar que já existe um bom arsenal de adaptações, de média e alta tecnologia, disponíveis no mercado nacional. E ainda mantém-se um espaço para as simples adaptações que os TOs podem desenvolver de forma independente ou em conjunto com os familiares.
Muitas são as participações do Terapeuta Ocupacional na atividade brincar com a criança com PC. Entre elas, podemos destacar a atitude pró-ativa na mediação, quando o Terapeuta Ocupacional empresta seu corpo para facilitar e proporcionar que o brincar aconteça. Além dessa, a orientação aos pais, o desenvolvimento de projetos de adaptações em brinquedos, a implementação de ações educativas e terapêuticas, e a estimulação da participação familiar na criação de brincadeiras.
O olhar mais amplo com a permanente preocupação da atualização tecnológica na busca de novas formas de Tecnologia Assistiva trarão ganhos para as crianças por possibilitar-lhe o mais puro e simples brincar e tudo mais que encontra-se inerente a essa rica atividade da infância.
Assim, resta a opção de nos mantermos atentos e atualizados sobre as opções de tecnologia e dividir essas informações com as crianças, suas famílias e outros membros da equipe de educação e reabilitação, de forma a possibilitar que a atividade brincar esteja sempre presente no processo de desenvolvimento, estimulação e educação das crianças, jovens e adultos com diferentes diagnósticos e condições de saúde.
Enfim, ampliar o olhar de forma a não ficar restrito às questões terapêuticas, mas incorporar as atividades lúdicas em geral, através inclusive de uma participação politizada lutando pelo cumprimento das leis que já existem para facilitar a vida das pessoas com necessidades especiais também na atividade brincar.
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Revista COFITO – Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – Número 23 – dezembro de 2004
Escrito por Nivânia Maria de Melo Reis
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